quinta-feira, 31 de março de 2011

Memórias efémeras


A paisagem não guarda memória
dos rostos que a atravessaram
nem dos sorrisos que se perderam
na moldura de sombra do poente.

O tempo, alheio aos desígnios da luz,
sacode todas as recordações
que não encontraram guarida
na excessiva sucessão de manhãs.

As pedras descoloridas do caminho
cobriram-se de musgo e nostalgia;
as árvores, ora vestidas, ora despidas,
estendem os braços para o horizonte
e permanecem de pé,
mastigando uma solidão de raízes;
mas, dos rostos sorridentes
que um dia atravessaram a primavera,
não guarda a paisagem qualquer memória.

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quarta-feira, 30 de março de 2011

"Poema de agradecimento á corja"


Poema de agradecimento à corja

Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.

Joaquim Pessoa

QUEM?

Foto: MS
Quem trouxe a serenidade ao meu olhar

Trazendo alegria e paz

Para construir um espaço, crescente

Na aprendizagem, dia a dia e para sempre?

.

Quem está dentro de mim, na essência

Como abelha sorvendo o mel da minha flor

Que bebe, em cálice transbordante

Caminhando no luar invasor?

.

Quem, quando a manhã começa a despertar

Me aconchega a roupa com o olhar, sussurrando

A palavra propulsora do sorriso

Que transborda e desata os nós, cantando?

.

Quem é a corrente continua, que impulsiona

O movimento das ondas do meu corpo

Fazendo dele uma pauta musical, a sinfonia

Do sangue, que fluiu até à ponta dos meus dedos todos?

.

Quem abre todos os portais de mim, toma a forma do absoluto

Deixando êxtases de plenitude, convulsões aquosas

Que caem em gotas de sal nas chamas,

Tornando-as mais densas, audazes e vigorosas?

.

Quem faz a paz e silencia o caos e no silêncio que se faz,

Deixa todas as respostas, que tem para dar

Desliza nas nuvens, tocadas pela brisa, aquieta as dúvidas

E voa no azul livre, para sempre voltar?

.

Marisa Soveral - 30.03.2011


Nada fui
Nada serei
Tudo se resume
Ao que de mim sei
Que
Sendo tão pouco
É toda a fortuna que tenho
Sei de onde venho!

O que hoje sou
Nem eu o sei
Serei um fôlego
Do meu desejo
Insatisfeito
Ou
Um leve sopro de alma
Que do meu corpo
Se escapou

Rodeado
Das inquietantes sombras
Que me perseguem
Vagueio-me
No delírio
Deste limbo
Onde me encontro

Onde me penso
Me castigo
Me vivo
E me morro!

Ao abandono
De mim mesmo...




Lá vem ela
Semi-nua
E sem pudor
Ondulando
Todo aquele corpo
Sedutor

Assim se insinua
A diva
Caneta
Bailarina de ofuscantes
Transparências
Rubras...

Em cada volta
Redonda
Letra a letra
Vai desenhando
O poema
Com a tinta
Que em si fervilha

E por não mais se conter
Se derrama
Por sobre a suposta
Alvura
Da virgem
E submissa
Folha!


Ando a ver
Se escapo
À morte
Desde o dia
Em que nasci

Tenho tido sorte...

À cautela
Fiz um pacto
Com a vida
De ser escrava
No seu domínio
E tudo por ela
Fazer
Em troca
Tem-me dado guarida

E se um dia
A morte
Ainda me quiser
Pois que me venha
Buscar
Mas traga a foice
Bem afiada
Para da vida
A alma me ceifar
Sem que a vida
Dê por isso!

Amanhecer



Ensaio passos


nas memórias que me emprestaste.



Escrevo ao sabor do vento


os cabelos em desalinho


as letras


em palavras,


sem tradução.



Persigo o nascer do sol no lago de um Deserto amado.


Aspiro o perfume das madugadas que transportas no respirar.



Regressas.



Masnão é minha a cor do teu olhar.



E chega a hora do sol partir


e dar lugar


ao luar.


terça-feira, 29 de março de 2011

A graça que roda gira

De graça em graça, que ria

Trazia comigo o meu condão

Da meada enrolada da fantasia

Puxava toda a minha inspiração.

De roda em roda, a nostalgia

Que finge ter demais comoção

Tirava tudo em nada e à revelia

Crescia então, mais séria a ilusão.

De giro em giro, se assumia

E vestia assim, mais reinação

Lia o avesso de tudo, que queria

No lado certo, que bulia o coração.

sábado, 26 de março de 2011

Alzheimer


Ruiu a ponte gasta
que me levava à outra margem
e nenhum barco avisto
deste lado do silêncio.
O dia fecha-se num ocaso salino
e a luz desvanece-se
num voo de sombras perdidas
sobre o leito seco da memória.
Como uma estrela decadente
atraída pelo buraco negro do vazio
tombo no fundo cego
de um alçapão de névoas.

Não sei já quem sou
ou aquilo que algum dia fui.
Tudo se desvanece dentro de mim
numa maré de poeira e esquecimento.
Não reconheço nenhum destes vultos
que murmuram nos véus da penumbra
nem o brilho anónimo e distante
dos olhares que se confundem
numa metamorfose de rostos sem feições.
Confuso, vacilo na retina enferrujada
de um labirinto de fantasmas
mendigando o sol exilado
de velhas lembranças que me pertenceram.

Órfão de um passado sem retorno
persigo o cortejo de sombras
nas paredes caiadas de escuridão
por entre a luz que me resta
e ecos que o vento, ocasionalmente,
traz do outro lado da margem
onde completamente me perdi
à procura de mim.

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sexta-feira, 25 de março de 2011

Lucidez

Branca silhueta ao fundo
das palavras
é a opressa incerteza
da minha lucidez
quando esta por mim passa
pedra
muda
avessa.

Nenhum manto
nem um rio
nem toque de lábios
embrião de espelhos.

Densa superfície de mar
álgida sílaba
cicatriz.


Marialuz

quinta-feira, 24 de março de 2011

O tempo morre


No céu mesclo de azul
toca o eu perdido nas gotículas
nostálgicas das nuvens
e no brilho celeste do meu olhar
penso-te….

Os mares ausentam-se
nas cavernas terrenas
sou rio correndo agarrado
à noite lunar…
despido

Trago nas águas malhadas
o meu outro eu
aquele que cega e paralisa
no vácuo doloroso do tempo

E as mares voltam a encher
embebendo-me as veias
dilatadas de ti

Deixo pegadas de pés
na terra ausente
e no ar os aromas de todas as coisas
que me faz gente

Com rasgos de ternura
adormeço-me nos braços da vida

E o tempo morre nas minhas mão entrelaçadas

Pedaços de mim

Ao Sol estendo, a liberdade

E danço, solta nesta poesia

Trago ao peito mais saudade

Que desnuda assim a fantasia

E com cortesia, faço a ilusão

E puxo inspiração com cautela

Singela a alma, abraça o coração

Numa imagem imortal, tão bela

O silêncio trás a sombra pelo chão

Que pisa a chinela, sem piedade

E a penumbra do meu ego, anão

Ainda vive na minha mocidade

Que traz a chama viva, de donzela

Ao baile da saudade, Primavera

Onde estendi o Sol e à janela

Um olhar puro, ainda espera

Voltar a bailar, mais livre e feliz

No chão da vida que trago em mim

E raia um Sol assim e como quis

Matou a saudade, com liberdade, por fim.

Fogo


Céu,
pinheiros ao vento,

nuvens de fumo.


Há um fogo por apagar no meu peito.


O Sol cai direito ao corpo
quente,



(da espera)



as mãos sem direcção,
vazias dos momentos
adiados,
pensados,
os gestos.

A musica trai a memória num despertar
de sentidos
sem nome,
proibidos.

Cai a tarde,
a luz impera
na sombra
impura
até doer.


quarta-feira, 23 de março de 2011

Na mão do amor

Com a mão no peito, enliço

E prendo ousadia, coerente

De tanto, que me ralo com isso

Já vejo o meu universo diferente

Eu, já não tenho o compromisso

E retalio a passagem, indiferente

E contente, flutuo neste universo

Embalo a minha lua, tão sozinha

Do meu peito, o amor submerso

E fica a sós consigo, coitadinha

Vagueia na solidão, perdida

E da vida, eu já quero tudo

Quero ser feliz e mais querida

E por tudo isto, eu me iludo

E só quero amor na mão da vida.

terça-feira, 22 de março de 2011

In-Tolerância

In-Tolerância
 
Peço perdão… peço perdão pela minha frustração perante a intolerância alheia, caminhando para a indignação. Algo de negro se espalha, quando se assiste em directo a imperfeições colocadas no alto, debaixo de um véu de magistralidade? Ou serão os pequenos ciscos de luz no interior da minha pequenez a chocarem com a realidade? Peço perdão por pedir perdão, perante a lágrima que espreita à janela, que escorre por ela, e pisa este chão…

Clarisse Silva


segunda-feira, 21 de março de 2011

EU, POETA

Quando me nasce um poema,
todos os dias do mundo se concentram
na eternidade do sempre
e o instante eleva-me à condição de ser eleita,
afinado instrumento das palavras
que me tocam como mãos de mãe,
apaziguando os nódulos da minha alma imperfeita,
ensinando-me o instinto de ser também
fecunda genitora.
E sinto-me única,
criadora,
poeta.

Um pouco de humildade

Tão belos são, os sentimentos

Da vida, que eterniza um feito

Nas voltas do destino, se figura

Trazem rodopios os movimentos

Que entram soltos no meu peito

Para se prenderem a uma ternura.

Tão nobres os pedaços, que passo

Ao pensamento da mente, sincera

Que gira em meu torno, desnudada

A silhueta de tudo, que por si faço

Não murcham flores na Primavera

E o sonho d’ amor vem de mão dada.

E vai nos sentidos, pedaços de vida

Que enfeitam o peito, transparente

E, humildemente me sinto querida

E querida, eu flutuo, humildemente.

Viver

(Imagem google)



Olho para trás...
O tempo que vivi, sem viver...

Infância perdida no tempo
Entre adultos rígidos a me criar...
Entre brinquedos intemporais,
Minúsculos... dádivas sem pais...
Sem crianças onde me encontrar...
Nessa infância perdida no tempo...

Adolescência que passou...
Entre tabus e crenças d'outra era...
Sem gente da minha idade,
P'ra viver livre a mocidade...
Entre adultos criados noutra esfera...
Adolescência que passou...

Olho para trás...
O tempo que vivi, sem viver!...

domingo, 20 de março de 2011

A rezar de joelhos

Rezo e rogo, de mãos postas

Pela estrada da inspiração

Leva-me o vento de fantasia

Quando gosto do que gostas

Agito em mim, rebelião

E escrevo a rir, poesia.

Rogo e rezo, já de joelhos

Sem rédeas eu vou a caminho

Nos poemas de encantar

Quando não me dão conselhos

Ao ouvido bem baixinho

Tenho eu, alguns para dar.

E se de novo, as mãos erguer

Ajoelho-me à sua frente

A pedir, porque a cantar

De joelhos mais inocente

Eu rio do que estou a escrever

E lá vou eu, ter que rezar.

DIGAM...DIGAM !


Sou quase analfabeta é bem verdade
Mas escrever é o meu papel
Trago poesia entranhada na pele
E em mim trago a saudade.
Digam, façam acusação!
Pois que falem, é a realidade
Trago a poesia no coração
E a escrevo com ingenuidade.

Trago meus sentidos embotados
Desta dor só Deus sabe!
Meus versos não ficarão calados
Cantarão a mágoa que em mim já não cabe.
Meus olhos se perderam
Sabe-se lá por onde!
Os sorrisos se esconderam
Restam vestígios que o rosto esconde.

Quando toma conta
de mim a nostalgia
Choro de noite, sorrio de dia!
E assim a vida corre,
Enrolada num torpor,
Como balde de água fria
Ou um sonho sem sabor.

natalia nuno
rosafogo
imagem retirada - blog imagens para
decoupage.

sábado, 19 de março de 2011

A MEU PAI

Ao ler teus versos, ardentes, apaixonados
De saudade transbordou meu coração
Ditados por profundo amor, inspirados
Sonho daquele que com mil cuidados
Poisou sobre mim, de pai, a sua mão

Ao longe muito longe no tempo te venero
Saudoso pai que à vida intenso te doas-te
A tua memória guardo qual tesouro
Filigrana modelada no mais puro ouro
Voraz foi o tempo que por ti passou
Marilia Olema Correia




CORAÇÃO ERRANTE


O meu coração errante
Aportou à tua porta…
E quis reviver a distante
Ilusão talvez d’amante
Mas afinal quási morta.


E reviveu com saudade
Horas que não voltam a sorrir.
Os meus laços d’amizade,
Que para contigo beldade,
Jamais se hão-de partir.


E num momento reviveu
Todas as nossas relações.
Ai!...Infeliz coração meu…
Nem já sei quanto sofreu,
Ao recordar ilusões…


Agora pobre coração,
De que te serve o carpir?...
Se no fim do ano, então,
Partirá teu coração,
Querida colega - a fugir…


Depois um pouco distante,
Lá onde habitam teus pais.
Não ouvirás dissonante,
A voz deste estudante,
A suspirar e aos ais…


E continuará a errar,
Qual judeu débil, cansado.
Exausto de procurar,
Uma alma que saiba amar,
Meu coração malfadado…


Veríssimo Salvador Correia (1933)

FUTURO ONDE ESTÁS?

No meu ancestral impulso de ir ao que está para trás, de visitar horas vividas - aquelas que valeu a pena – porque as há demasiado sofridas a apelarem para o receptáculo do esquecimento - fascina-me viajar no tempo, desde o tempo adulto passando pela adolescência, desaguando na infância e mergulhando no mundo do não conhecimento, da não memória, na semente que germinou e se tornou naquele que hoje caminho na estrada da vida – avançada fase, diga-se. Mas mergulhar no tempo será também visitar aquele que me antecedeu, que outros viveram, mas obviamente vidas que valeram a pena. Aqui e naturalmente ocorrem-me figuras humanas que, como soe dizer-se, deixaram marca, lídima marca da sua passagem. Percursos de vida que para mim, vulgar cidadão são fonte de reflexão e apreço.

Esse apreço ou reconhecimento não se fica por aqueles que deixaram memória na boca das gerações vindouras. Memória nem sempre justa, diga-se em abono da verdade. O meu reconhecimento inscreve-se em letras que eu quereria serem de ouro naqueles que não ficaram na história, mas na simplicidade das suas vidas, em que esteve presente o trabalho insano, a dedicação sem limites, o espírito solidário, a honra que lhes transbordava da palavra, o respeito e estima pelo seu igual. Enche-me a alma empreender este tipo de viagem pelos caminhos da informação séria, mas também da imaginação que acredito brotar dos escanos do meu inconsciente, que creio ser fonte de verdade.
Essa viagem, obviamente ocasional, proporciona-me cenas decerto vividas na infância, mas que não deixam de expressar ou de algum modo traduzir o que foram as vidas das gerações precedentes. Quando penso que a previsão da condição de vida do homem que viveu há mil anos haveriam de ser as do que viveu há setecentos, as do que viveu há quinhentos, e depois há trezentos e até duzentos anos, eram praticamente as mesmas; e de imediato penso, concluindo, que a partir daqui, sensivelmente, se operou uma mudança profunda, fantástica, no ritmo e na qualidade da humana caminhada.
Fico perplexo, repartido entre um saudosismo habitado por uma espécie de ternura ou gratidão e o deslumbramento ante um futuro que começou a desenhar-se há duzentos anos e que nos nossos dias atinge já o inimaginável. Quero dizer: atinge um nível de progresso técnico e cientifico (palavrões outrora desconhecidos) que nos levanta uma interrogação sem limites em relação ao futuro. Naqueles remotos tempos, duzentos, trezentos ou quinhentos anos praticamente nada significavam em termos de avanço nesses domínios. Hoje, a geração onde a história nos colocou, não tem maneira de imaginar o que as coisas serão daqui a cinquenta anos. Em suma a caminhada no progresso do homem é uma vertigem de metas insondáveis.

Mas depois desta breve reflexão uma questão demasiado séria fica a vibrar na minha natureza e na minha própria ancestralidade: será que o homem em termos da humanidade que lhe esteja inscrita nas entranhas ou na essência, está a acompanhar a dita vertigem técnico/cientifica? Até prova em contrario, tudo me leva a crer, preocupantemente, que não.

Antonius

POEMA DE NINAR

(Gustav Klimt)


Quando as sombras caem
e o fogo me reúne
à volta dos meus afectos,
nascem estrelas tímidas,
que me adormecem perfumes
no colo...

Quando as sombras caem,
os ramos fortes das árvores
amparam o azul pálido
(que o lado do fogo cora),
num alcançar de abraço
maternal...

E toda a luz dos meus olhos
sobe do teu rosto ao céu,
agradecendo o teu sono
tranquilo.

Ergo-me, nas sombras caídas,
e aconchego um tesouro,
como quem deita no berço
um filho...
(Sterea)

TEMPO

Salvador Dali
TEMPO

Que faço do meu tempo?
Quanto sobra e quanto falta?
Mole e escorregadio
Derrete-se em desassossego!
E nele eu sou um rio…

Preencho-o em riscos ocasionais
Falo e penso
Num sopro de dentro
Guardando segredos
No silêncio!..
O coração
Bate…pula…
Ao percorrer
Os grafismos
Do teu querer
Da tua promessa
O teu desejo de mim
Que queres profundo
E sem pressa…

Sonho carinhos
Invento palavras
Risos no silêncio
Olhares pulsando
Lábios molhados
Noites intemporais
Paixão latejante
Corridas matinais
Sol abrasante
Corpos suados
Almas libertas
Rolando nos prados!

Quanto sobra e quanto falta?
Mole e escorregadio
Derrete-se em desassossego!
E nele eu sou um rio!

19.03.2011

SONS NO SILÊNCIO

Quando me apercebo, começo a trabalhar as pausas, a descobrir o ritmo, descubro este rito. Um ritual onde me rio comigo mesmo de haver tristeza, mais ainda de conhecer o seu ri(s)o a desaguar sons no silêncio. Vou da nascente à voz onde mudo de mudo ao modo de modelar o casulo do silêncio a criar crisálidas, desvendo-as vendo a transparência tornar-se lúcida da sua opacidade, libertando luz: translúcida.
Solto a perspectiva, vou-a buscar a primeiro momento, voa a referência até ao apetite onde a genealogia se perde nos genes  do génio que escolheu uma lamparina apagada para, uma vez nela, poder ser acordado. Então conheço uma historia fantástica, uma metáfora sem forma, é a forma amorfa dum verso onde o poema não procura a poesia, para curar na prosa, ressaca donde saca: um texto.
Falta-me um último parágrafo que agora ultimo, com os pormenores deliciosos do cio na fase das frases sibilantes de língua bífida serpenteando os sons no grafismo onde a fala fala de gestos numa mímica que mima na perfeição uma feição impávida da vida bem representada pela areia quando cai da fieira da ampulheta deixando esgotar o tempo, como agora digo ser este mesmo: acontecer.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Entre o vazio que cerca as estrofes


entre o vazio que cerca as estrofes,
no chão de pedra do meu silêncio,
desenho as palavras que me restam
e nunca fui capaz de pronunciar

vinco a folha pela dobra do verso
ao atravessar um desfiladeiro de vogais
no frémito lento onde ressoam
os pássaros feridos do meu lamento

como quem borda um rio sem margens
no frio enrodilhado da pele cercada
sacudo as amarras a que me condena
a escassa luz de um coro de consoantes

e sigo o sangue pisado das metáforas
sem adjectivos para fugir ao naufrágio
no grito obscuro que serpenteia
entre o vazio que cerca as estrofes

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quinta-feira, 17 de março de 2011

MÃOS NA NOITE

Quando os meus dedos se soltam de mim
Em fulgurante frenesi
Adivinho-lhes o intento
E na busca que demandam
Há flores de idílico jardim

Soltos os meus dedos
De piano as teclas eles não buscam
Nunca por nunca coisa trivial
Subtil eles sobem as montanhas que há em ti
Na perene ânsia das alturas

A noite harmoniza-se com o sonho
Dos meus dedos que saíram de mim
Que a noite é alfobre do amor
Receptáculo de um sentir profundo
Que não é sempre que emerge

Nesta noite os meus dedo sequiosos
Esventradas do meu ser as raízes
Não buscam a melodia das cordas
Nem da lira sons melodiosos
Tão pouco da harpa as matrizes

O que buscam tensos ansiosos
É floresta que floresce em ti
E em delírio afagam
É o curso de cascatas preciosas
Que o teu corpo em dadiva se oferece
À sede incontornável que há em mim.

Antonius

quarta-feira, 16 de março de 2011

Carta D´Amor - Ao Japão

Escrevo-te , meu doce amor , desta "terra do nunca" ...
podiam ser flores balançando na ponta luminosa
duma lamparina de lágrimas
tombando sobre o teu querido retrato , estilhaçado !
flores dizimadas estampando gritos nos escombros ...
podiam ser estrelas cintilando nos corpos , fragmentados !
nebulosa de sangue escorrendo pelo teu amado vestido ...
pés e mãos em aflição constroem o elo do tecido , paixão !
com amor
dum lado e do outro, por toda a rosa-dos-ventos
sopram pressas de chegar , abraço !
unem-se as velocidades trepando os montes , caídos ...
e em toda a mão há um pedacinho de céu , ajuda !
ante um inferno de mágoa ...

mas ...

é tão sagrado este momento
que se fossem flores
não seriam tantas as letras tingidas
de
sofridas

Teu Akira


Luiz Sommerville Junior , A Madrugada Das Flores ,160320111814


terça-feira, 15 de março de 2011

QUE FIZESTE HOJE AMOR?

Deitada sobre o teu peito
Sinto nos meus seios,
O teu coração…
Arfando ritmado
Em sintonia
De pulsação…
.
Escuto o que dizes…
Palavras balbuciadas
Lânguidas, repercutindo em mim…
Como um fio de cristal
Que vais tecendo
Como um ritual…
.
Olho a tua boca…
Leio no movimento
Dos teus lábios
As palavras…
Perto,
Tão perto
Que respiro
A brisa perfumada
Que exalas
E que vem
De calor impregnada!..
.
Ficamos sem tempo…
Tu falas
Eu escuto
Boca na boca…
Meus olhos
Dentro dos teus olhos…
.
Sinto-me divinizada,
De estar em ti
Assim…
Tão aconchegada
Tão aglutinada
No teu corpo de jasmim!
.
02.03.2011

Dispo o fogo escondido














Nas pálpebras dos teus olhos
dispo o fogo escondido
nas vestes
do meu trémulo sorriso
e alumio o teu olhar... pavio
com as fagulhas rubras
do meu corpo ébrio

em combustões lentas
incendeio-me nos teus braços
esquecida de mim

segunda-feira, 14 de março de 2011

PREIA-(A)MAR

Vogo, vadia, ao sabor do teu corpo
Rogo, rendida, teu gosto salgado
Colo a meu colo o vaivém que te encorpo
Afogo-te em fogo o gozo esperado

Navegas, negas-me a maré descente
Cresce e entumesce, o teu mastro à deriva
Segue, sedento e em busca ascendente
Alcança alvíss'ras, costa prometida

Sacio, sadia, a ânsia guardada
Entrego-me em troca ao teu espraiar
Na areia onde ardes em chuva ansiada

Estremeces, feneces ao sopro d’um beijo
Sagras-me sereia e porto d’ amar
Esmaeces, a esmo, em mar desejo...

domingo, 13 de março de 2011

DEIXEI-ME A SONHAR



Deixei-me transportar
Aos dias do passado
Deixei-me a sonhar.

Minha alegria ficou triste
Entrei com cuidado
Mas lá já nada existe.

Só o rio continua a cantar
O salgueiro chora sobre ele
a mágoa.
O velho moinho continua a andar
E o ceu azul espelha-se na água.
Já o forno não coze o pão
E a velha mercearia?

Pobre do meu coração!
Sofre a  tristeza e a alegria.

Hoje não lavo no rio
Nem ponho a cântara à cabeça
Minha vida por um fio
Já nem há quem me conheça.

Molham-se me os olhos
Com esta saudade que me domina
Lembro a menina do vestido aos folhos
Lembro, lembro sempre essa menina.

rosafogo
natalia nuno
retitada imagem-blog imagens para decoupage

UM MOMENTO

Para a prosa se encontrar com o silêncio cavalga uma poesia sem versos onde se agarra às crinas sentindo os dedos nas mãos levando o sonho do corpo entregue ao movimento onde se integra e interage com o universo num todo mudo onde a voz modela a fala da escrita e dita este diálogo surdo onde mudo da noite para o dia na alegria dador de coloridos doridos de todos os excessos entregues à escassez capaz de ditar a penúria exótica duma normalidade excelente para absorver a loucura dando-lhe cura numa suave melodia onde canta a cotovia ou viaja onda no mar dum continente a outro até circundar a ilha nua onde se despe o tempo ao deitar nu um momento.

sábado, 12 de março de 2011

Tarde de Outono

Hoje neste fim de tarde outonal, em contra-ponto com a atitude de todos os dias, não estou distraído. Quero dizer que estou com os sentidos despertos, os olhos abertos, os ouvidos atentos, o cheiro a inalar fragrâncias, porventura odores desestimulantes, o paladar e o tacto em repouso mas predispostos a assumirem funções. Enfim, no que diz respeito à minha pessoa e ante aquele que sou, sinto-me inteiro.

Mas hoje, neste fim de tarde outonal, não me basta a funcionalidade dos cinco sentidos. Outras vozes, outros sons estranhos a mim mas de que sou espectador me preenchem, de alguma maneira me falam de mim. Falam-me em essência da experiência fantástica de estar vivo. Sobressai aquilo que os meus olhos vêem e os meus ouvidos escutam. Não sei qual mais importante embora até há pouco julgasse que sabia.

Hoje a esta hora deixo-me deslumbrar por aquilo a que chamamos natureza, que é feita de coisas mil. As andorinhas aglomeram-se nos fios eléctricos prontas a partir para outras longes terras, a folhagem atapeta já os campos e os caminhos, o sol prepara-se para desaparecer no horizonte, uma esguia nuvem a acompanhá-lo.
O sol vai-se embora, mas amanhã pela madrugada aí está ele, sempre fiel, a anunciar a sua presença. Como ainda é dia, a lua não passa de uma pequena nuvem redonda, mas que se vai iluminando na medida em que o sol caminha para outras terras, aquece outras gentes.

A terra, o sol, a lua, a estrela da noite (que é a mesma da manhã), que de engrenagem fantástica! Que de poder o do portentoso Acaso! Que de fecundo na diversidade dos frutos que nos prodigaliza! Mas como, Acaso? Não, eu não creio no Acaso. Mas esta engrenagem que nesta hora me prende todas as atenções teve um princípio. Quando e como?

Mas no meu encantamento eu distraí-me sem perdão. Perdi-me nas emoções, tantas que elas são e só agora vi o Amor mas, grande que ele é ofusca tudo o mais, a própria engrenagem cósmica que me arrebatou neste fim de tarde de Outono.

Antonius

Desejo

Neste rio ameno em que me desvio
na cascata rubra em que mergulho
sinto as algas, tuas mãos
roçando….

perde-se o meu corpo em desvario,
na profunda louquice de ser
….. desejo

sexta-feira, 11 de março de 2011

O Milagre



Deitado com o coração trémulo , apanhado !
agarrado ao fio invisível do primeiro dia , música !

A flutuar ... ó salva das vidas , palmas !



LSJ , 110320111035



quinta-feira, 10 de março de 2011

Pertinho do céu
















Sento-me num degrau qualquer
pertinho do céu

Desfolho os raios solares
lentamente,
como quem degusta
o corpo do destino

Sinto a suavidade da tua voz
sussurrante
estremecendo-me
em inacabado desatino

Perco-me na infinitude
desse mar
nas sinuosidades escarpadas
do teu corpo.

Em abraço perpetuado,
permaneço
neste meu modo simples
de estar

Liberto-me na mais pura
essência de vida
rasgo as barreiras dos mirares
delatores
e no cume do despenhadeiro,
reinvento
uma nova forma de recomeçar

Num degrau pertinho do céu

quarta-feira, 9 de março de 2011

Almas Quebradas




Sabedores de um círculo aberto, até que seja reposta a ordem inversa, ao traçar-se a única trajectória onde os navegantes circulam sempre no sentido oposto, será assim o indicador dessa mesma ordem. Serão sempre todos os sentidos remetidos ao novo círculo que começa agora a tomar forma, a dizer-se onde e como deve chegar a todos os lugares. Na terra, correm rumores de signos outros, correntes que extravasam as almas quebradas, a atingir a fonte de um espaço aberto, um remedeio deste meu cansaço. Quero que as forças dos teus braços me sigam rumo ao tempo, em que de joelhos no chão, me cegava quando atingia as alturas onde o teu corpo descansava e o meu se entregava às ceifas das searas amadurecidas pelo tempo. Quero que todos os sóis se espalhem por todos os espaços onde acordas as formas e adormeces todos os meus sorrisos. Quero um novo sorriso nas faces da lua, e que a noite seja o novo círculo a afagar os medos e remediar outros cansaços.

Saber que o meu corpo é um desejo e a minha alma uma corrente a gastar-se nas formas dúbias que carrega, é assumir que há correcções que só servem para manipular os sentimentos e disseminar as curvas e contra curvas de um corpo que quer, porque quer, assumir-se inteiro e verdadeiro na proporção dos desejos da alma. Porque os meus sonhos te desenterraram? Porque as minhas mãos manipularam a fome, o desejo, a sede e todos os tempos que me contornaram na procura de um só movimento, de uma só forma que sairá em tempo certo das tuas mãos?

Caíram todos os andores e todos os braços erguidos aos céus se desconjuntaram. Há santos espalhados pelo chão e nódoas negras nas minhas pernas, por me ter permitido ser um, em todos os fragmentos que ficaram. Lembrei-me de um sonho que beliscou a tua mão trémula, quando permitiste ser Homem na terra e Deus no Céu.

terça-feira, 8 de março de 2011

AVISO DE COBRANÇA

Se te disser o que me trouxe aqui, não te assustes... vim só cobrar o que me deves. Ou cobrar o que te devo. Sei que o juro que me tens pago ultrapassou já largamente a dívida a que te obriguei. Sei disso. Mas dívida é dívida, e a hora da cobrança, a minha hora de cobrança, é fatal e impiedosa. Devo-te eu também dividendos que usufrui de ti e a cobrança é mútua: pagaste-me em viço, em vida, em esperança, em lida, em paciência, em dor, em saudade, em alegria, em tristeza, em abnegação, em sacrifício. Apliquei tudo isso ciosamente, avaramente, lucidamente, não penses que esbanjei um sequer cristal de sal ou suor teu. Sou um bom economista (ou economicista?). O lucro, porém, oferto-to. É a renda que te cabe. É a colheita duma vida, os frutos do amor, da resistência, da esperança, da coragem. Mas exijo o capital da dívida na íntegra. Hoje. Não vou esperar mais, o momento é agora, porque o agora é o único tempo que nos resta. Exijo a totalidade do que me vens adiando, uma vida inteira, pagar: os resíduos do teu secreto ser, o joio que extraíste das jóias que facetaste, o cofre onde guardas os teus segredos e fraquezas, faltas e audácias, os talentos que guardaste sob o colchão onde dormiste toda uma vida, os dobrões que amealhaste por não teres, tantas vezes, dado a cara, e escolheres honrar a coroa...
Quero o teu outro lado, aquele que deixaste de viver.
Não tenhas medo. É pagar ou morrer...

sábado, 5 de março de 2011

AQUELE PARA ALEM DE MIM

Esbracejando deslizo
Sobre o mar dos meus pensamentos
Ignorante a meu respeito
Borbulha nesse mar
O mundo das minhas interrogações
Estranha consciência
De dois que fazem um
Sendo aquele que esbraceja
Sob o tecido aquático
Bem mais que isso
Mas infinitamente
Sou o que feito tornado
Fui construído pelo tempo
E pelo tempo que foi antes de mim
Um sem fim de flashes luminosos
Que se cruzam e entrecruzam
Feitos esse outro eu
Onde com inteireza
Habita num torvelinho
Aquele que deveras sou

Antonius

Soneto heróico

No mar jazem homens, como heróis
Lúgubre ausência, vil morte
Enlutada é, triste consorte
Admoestados ventos, castram sóis

Navegadores que a vida deram
Para conquistar outras paragens
Cheiros intensos, aves, aragens
Lugares, povos que enalteceram

O soneto veste-se de louvor
Sublime o acto que lhe assiste
Na arte, história que persiste
Mapa de sangue feito de amor

Cantam-se himos de saudade
De pé, aplausos, posteridade

Barco de fuga


Sentado no litoral do imaginário
o poeta desenha um barco
com a madeira solitária dos versos
que guarda nas folhas amarrotadas
de um caderno negro

Desenha o mar distante da infância
e a paisagem costeira
de um secreto itinerário de espuma
com a água que lhe sobra
do olhar exausto e vencido

Aos confins longínquos da memória
resgata os traços trémulos do vento
com que acende a luz de um verão antigo
sobre um fundo azul
onde desenha o cais de onde nunca partiu

E espera pela subida da maré
para traçar os caminhos de fuga
por entre as quilhas da página vazia
onde o sol rasga vagas de névoa
e as sereias enredam viajantes perdidos

.

sexta-feira, 4 de março de 2011

OS DIAS POISAM EM MIM



A solidão é uma pedra no peito
O tempo esse passou
Ficou para trás em bocados feito
Como água no cais que enlodou.
Só meu coração
Ainda está quente
e sente,
a cada momento,
um novo alento.
Entre o tempo e a eternidade
Vive nele a caber
multiplicada a saudade.
Neste entretanto que é viver
e morrer.

De súbito vejo cair a tarde
É mais um dia que finda
Mais um que me trouxe a verdade
Que tudo é efemero, nesta vida
desavinda.
Raras vezes conseguida
a paz que tanto se anseia
Á espera dum sentido p'ra vida
Ao lusco-fusco volta e meia.

Há sempre um não sei quê
A vergar-nos os ombros
E eu insisto porquê?
Encher o peito de escombros.
Os dias poisam em mim
Tão velhos quanto eu
E este chegou ao fim
Levando um pouco do que é meu.

Nada sei...

Só sei!

Que o dia passou a correr
E eu aqui fiquei,
nesta solidão,
onde me invento e sinto a desvanecer.
Ou será ilusão?

Mas isso não importa,
Importa!
Que hoje ouvi o som do ribeiro
O chilrear do passaredo
Senti das mimoseiras o cheiro
Respirei o ar puro do arvoredo.

Assim me encontrei a sós comigo
Lembrei quantos amei verdadeiramente
Alguém me falou ao ouvido
Amanhã terás outro dia, de presente.


natalia nuno
rosafogo
imagem retirada do blog-imagens para decoupage

Ai esta solidão!


ai esta estúpida solidão
que me morde a mão...
que me amassa névoas...
no recanto do espelho.

procuro na palavra...
uma terra de sílabas...
um frasco de frases...
para lavar a véspera de tudo.

não!..não partilho a minha embriaguez
com os gestos efémeros de um qualquer copo oxidado
nem dispo o nó cego que me atolaram na garganta

ergo no ar a guilhotina da rima 
que me faz renascer...
que me faz migrar...
na última estrofe com resíduos de insanidade.

Eduarda

Deixa-me ler-te à luz da vela





No deserto do tempo impune
Arranquei labaredas dos teus olhos
Sem saber se as algas
Que me salgavam o rosto
Tinham o mesmo sabor frio
Das mazelas que pintei no teu corpo

Quem me dera poder apagá-las
Num simples traço a carvão
Sucumbindo em seguida
Sob os braços da Mendiga Romana

Talvez o lamaçal d’ escuridão
Que carrego nesta pena incondicional
Partisse com o clarão de luz
Que atravessa esta cela de barro

Deixa-me ler-te à luz da vela
Quando o dia se acabar


Conceição Bernardino

quinta-feira, 3 de março de 2011

Atenção a todos (Antologia - Urgente)

Ainda não recebemos todas as participações dos autores que irão integrar a Antologia.

Solicita-se que os façam chegar até ao final da próxima semana, para que se possa organizar o ficheiro no sentido de vos ser enviado para verificação e/ou correcção, após o que se enviará para a Editora. Só assim se poderá ter a proposta para ser analisada por todos.



Nota: Enviem o documento em formato WORD

No centro de mim.

No centro de mim.

Se me encontrares aqui
neste lado do mundo
onde me encontro
...na nudez do corpo
na paz e na calma
que o silêncio
me traz

se eu te procurar ali
no cimo de tudo
no topo do mundo
nas guerras vencidas
nas lutas perdidas
na força de ser
a coragem
de viver.

Se nos encontrarmos
nas voltas da terra
no centro do meu silêncio
na frágeis flores
testemunhas expostas
ao vento.

se tu e eu
formos a força dos céus
o amanhecer rasgando horizontes
a esperança vencida
a junção do corpo e espírito
num todo que gira
a volta da terra
no incessante procura
que sou EU.


São Gonçalves

TU

Nos teus lábios
Impossibilidade possível
De reinventar a suprema subtileza
Sentindo a essência
brisa abrasiva em lufadas
hálito apelativo
polpa de cereja
voz de emoção
Bela e inquietante
Titubeando comoção!...
.
Nos teus olhos…
viagens
feitiço do mar profundo…
magia da montanha
cheia de assombros…
a descobrir…
laços de cumplicidade
expurgação da sombra
interioridade!
.
No teu corpo conceptual
exercício musical
de contornos ondulantes
Sortilégio lírico invulgar
entidade sensível
paraíso clandestino
de tudo aquilo que é
de tudo aquilo que me completa
de tudo aquilo que quero
de tudo aquilo que acalma
a minha alma inquieta!...
28.02.2011

quarta-feira, 2 de março de 2011

Grande Curva.

Acentuada é a curva da história
Neste tempo não sonhado em que vivemos
Creio não haver registo nem memória
Não ter sido nunca o mundo como o vemos

O progresso chega a ser deslumbramento
Num pasmo vêem os homens o que acontece
Pressentido parece ser o fermento
De algo que vai ser grande ou fenece

Entrou incrédula a minha geração
Nessa curva pelos homens não sonhada
A sentir começa a ter boa razão
De se indagar porque forças é levada

Desconcertante a curva desenhada
Que o homem foi pobre em discernir
Séria se mostra a curva nesta estrada
Inquire-se o homem acerca do devir

Fácil foi para o homem de antanho
Ver o mundo que se lhe seguiria
Pouco mais do que das terras o amanho
Era o que o seu pensar ao longe via

Nestes tempos porém para seu desnorte
A curva faz-se de interrogação
Não sabe se vai para sul ou para norte
Na mente se lhe derrama a confusão

Se a curva está no termo se pergunta
Pressentindo parecer de maior tino
A sua sorte não quer ver defunta
Aforra a sua esperança no destino

Antonius

Eu tive um sonho




Eu tive um sonho de amor feito
Ornado com pétalas de mil cores
Sonhei que esse sonho
Abarcasse o universo
Mas o sonho era tão grande
Que espaço minguava para o acolher
Reguei-o com dourada filigrana
E beijei-o com o beijar dos deuses
Esse beijo de fecundo
O universo fez sem medidas
Tornando-o pátria da beleza
Puxado pelo corcel da realeza
Infinitamente acolhedor
Regaço do mais extremado amor.

Olema

O AMOR ACONTECE


Quando o sol amadurece
Não quero nem saber porque morri
Uma tontura nova e doce acontece
E eu esqueço o muito que já vivi.
Volto ao aconchego das palavras
Morrer foi o que de bom senti
Perfumei o corpo que desvabras
E hoje de amor por ti morri.

O Amor é romã que se abre
Ao sol que a amadurece
É um querer bem
Que bem que sabe
Na margem doce de qualquer tarde
É mel que sempre apetece.
É um frémito de saudade.

Perdidos em mar profundo,
tu e eu,
Surdos ao Mundo
Nesse desejo ardente ,meu e teu.

A parede do quarto já sombria
O sol ainda bordejando a janela,
Suspiros de amor que se sacia
Lá fora a vida, nos esquecemos dela.

natalia nuno
rosafogo
imagem retirada do blog-imagens para decoupage

Um simples sono



sou um simples sono de vida que tenho e ignoro onde vivo.
tive outras vidas e um só sonho.

na que vivo agora sou cor de mar e fujo da alma que tive
e das dores onde estou.

talvez as veja e as sinta, como vento do que ontem fui
e que enrolo hoje na rede da razão.

e já vi tantos sonhos e tantas dores,
que tenho a impressão que sou sono de tela
ou lama lacre do vento que me roça os dedos.

será inútil a mudança da cor, do que já não há
em tanto que supus, como coisa de sonho que tinha dentro
e já não sinto como sono.

quando acordar pergunto-me se sonhei real
ou apenas ébria no assombro lúcido do sono que sou enquanto sonho.

Eduarda

terça-feira, 1 de março de 2011

AMOR EM RÉ MENOR

Sou uma nesga de tempo projectada no desmesurado do Tempo
Meteorito em noite de estrelas cadentes
Madrugada de um dia que muito longe se anuncia
Mergulho no mais fundo de mim rondando a morte
Constelação sem estrelas, dormente

Sou um pedaço de mim que rasgou o tempo
Por fresta aberta no inicial magma
Rajada de vento que num momento
Serenou, pacificou, sem perda do fôlego

Sou mais forte do que eu, eu sei que sou
As minhas contas ultrapassei há muito
Perguntando-me se vou, sem saber se vou
Atrevo-me por caminhos não percorridos
Mais que em coragem invisto na suave brisa

Deixei de ser pedaço desse tempo sem medidas
Inteiro passei a ser cioso da inteireza
Vislumbrei constelações ainda ocultas
Pressenti por detrás do inicial meteoro
Acesas, incandescentes brasas
Do em ré menor, eternamente buscado amor

Antonius

O que somos nós?

O que somos nós
figuras minúsculas
debaixo de um sol
abrasador
seremos apenas
pequenas poeiras
d'estrelas
perdidos entre
vários planetas?

Seremos pequenas luzes
migrantes nos espaços
mistério do universo

pensamos ser tanto
no espaço que nos rodeia
e somos um mundo inteiro
aos olhos
dos que dependem de nós
mas na verdade
não somos nada
comparando
as tempestades de areia
que se levantam
nos desertos
esquecidos
para alem do meu
olhar.

São Gonçalves