quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Um lugar

“Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.”
(poema de Rumi)
.................................................................................
Passou com o olhar inexpressivo, o gelo nas meninas dos olhos, o tremelique dos dedos dos pés pelo andar constipado, enfim obstruído pelo odor da caruma dos pinheiros que ali deveria ser uma raridade. Mas, afinal não era. Havia mesmo caruma espalhada no chão.
Umas árvores de fruto, também oliveiras, umas amendoeiras, medronhos, sim os medronhos estavam maduros, mas só um se podia comer, os outros estavam chupados dos pássaros. Nem aqui escapo a esse poderio das bicadas dos pássaros.
Colocou-me na mão um vermelho, bem vermelho, que me fez lembrar um dia lá na aldeia em que misturei amoras pretas com vermelhas, para saber como seria depois o suco. Obviamente, que agreste.
Simplesmente me disse: “nunca pensaste no que se pode dar a alguém mesmo tendo os bolsos vazios?"
Peguei num monte de caruma que fiz esvoaçar sobre o alcatrão, enquanto absorvia aquele odor dos pinheiros e saboreava o medronho agora espremido no céu-da-boca.
Perdi um dos anéis. Foi a rebolar pelas encostas. Espreitei. Calei-me a pensar no valor do anel que iria perder-se por ali. Era de ouro. Fiquei unicamente com o que me oferecera quando um dia o retirou do seu próprio dedo.
De novo me disse: “Os teus amigos não se interessam em saber se ganhas ou perdes, se és vencedora ou vencida, mas sim em saber se és feliz, sem jogos (without playing) e o mundo assim deverá pular e avançar, digo eu.
“Come with me.I want to show you a place”. Vem, que te quero mostrar um lugar, o lugar mais quente e mais parecido com os lugares onde sempre se faz história. O lugar onde o coração fala quando sente e canta quando consentes ser alma e mais nada".

Dolores Marques

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Quando a brisa vem serena

Quando a brisa vem serena, levanta o véu como se nada fosse
As cortinas ondulam ao primeiro vento da manhã
Descobrem os primeiros raios de sol do dia em que acordei

Desperto a dizer do dia e do sol para sair porta fora e ter vontade
Caminhar pelas ruas e falar com as pessoas
Com a suavidade com que a cortina ondula e diz do vento.

Assim amanhecem novos mundos aos primeiros raios de sol
Lugares conscientes onde ninguém é plástico nem betão

Assim é o universo como o imaginei ao sair de casa
Caminhar pelas ruas e falar com as pessoas
Sementes da semente universal

Lugares conscientes, jardins com espaço por não terem paredes.

domingo, 6 de dezembro de 2015

...em gestos alucinados de prazer


Os passos perdem-se
no amontoar dos escombros
assim como quem quer
esmagar as recordações sombrias
do tempo
em alicerces agitados,
os devaneio erguem-se
dos sulcos esquecidos da pele.

 Não há espaço para o voo felino
das asas adormecidas
e o corpo mergulha num estado febril
nas aguas turbulentas dos dias idos

são tantos os vultos
em gestos alucinados de prazer
que o tempo estremece na longura da cor

e os meus passos passeiam-se
pelas paisagens belas da pele
num tilintar de melodias corporais
sem som

 
Escrito a 05/07/15