domingo, 25 de julho de 2010

A sede é uma estrela

A sede é uma estrela, um ponto na garganta e dai há-de despontar uma gota, fermentar aquele fogo de água a que os viajantes dão múltiplos usos. No meio da praça os blindados, tu paras o trânsito com a curva das tuas pernas. No discurso da tomada de posse do governo revolucionário não há nenhuma referência ao facto do trânsito ter parado fixado na curva das tuas pernas. A este respeito o bibliotecário levantou a mão e sugeriu uma relação entre a curva da vírgula e o teu andar desajeitado. A água sai do cano - A sede parte do olho da metralhadora - Os antigos apontam dedos acusadores, tudo o que mexe leva em cheio com a pólvora da vingança. A sede é uma estrela, aquele ponto focado entre a indiferença e a aparência de que se vive. As tropas ainda estão na rua. O jovem capitão aponta o megafone, gesto decidido, grito implacável para que a voz e a vontade não fraquejem. Aquele é um grito que sai do estômago do povo. O medo desaparece como fumo, vamos recitar os poemas trancados nas gavetas, não são poemas ilustres, não são canções sublimes, mas o gosto de nos sentirmos vivos é forte. A sede é uma estrela, Lisboa é um perfume, uma especiaria metida debaixo da língua. Representamos novos papéis, o teatro exige que temos de representar com mais convicção. O teatro é uma chama, é o teatro que nos levanta os pés do chão. Tu no meio do palco exibes de diferentes ângulos as curvas das tuas pernas, tu desafias, tu provocas os actores, excitas os fotógrafos, enciúmas as mulheres deles levando-as ao sangue e á loucura. Ligas um número de telefone á sorte, perdeste a inspiração, parece que o vento já não empurra o barco. Olhas na lista um número que em tempos estava costurado nas costas de um casaco, queres encomendar uma revolução, nos olhos da águia há a senha com o número da cadeira onde estarás sentada a ver o filme. São dez horas da manha. Adormeceste a ver o filme, na sala estúdio está o garanhão, è a alcunha do actor, ele anda perto dos cinquenta, ele agarra a cabeça dela, faz a boca dela deslizar, parece que navega.Posto de comando do movimento das forças armadas. As mulheres da vida estão na rua, legalizem as actrizes porno, ajudem os poetas que não conseguem vender os seus versos para que não acabem os dias sem amor e sem fortuna, para eles um pé-de-meia tão rico como um enxoval. Adormeceste a ver o filme, comias bolas de Berlim, leste nos jornais sobre o muro de Berlim que caiu como um pesadelo da cama estreita, depois explode. É o medo dos que foram oprimidos, a fome a angustia, as pernas paralisadas, mas o pesadelo que simboliza essas fraquezas agora se tornou o monstro dos braços e das pernas fortes. Os olhos podem sair do chão e olhar o céu. Não vamos permitir que escolham os livros que devemos ler ou quem vamos amar. Aquele muro caiu é o tempo de recomeçar todas as viagens.Anda o tractor sulcando os grãos. A terra é de quem a trabalha e estas palavras de ordem parecem assim como os filhos serem dos pais porque estes trabalham com mãos e braços e beijos húmidos a terra dos seus corpos. A terra é dela mesma, que as mãos a mexam ou que a deixem em abandono, os homens são como os pássaros, provam as sementes e são sempre criaturas ingratas.A gratidão é como uma promessa que se cumpre e logo a seguir não fica mais nada a esperar. A ingratidão é a oportunidade de voltarmos a reatar o pacto. A pior coisa que tens de ouvir é de que tens de estar grato á família pela comida no prato, pelos lençóis na cama, deves agradecer a boa vontade, aquela maneira de tentarem que pagues o que eles disseram que te tinham dado. Tens um trabalho, ou um emprego, ou não fazes nada e quando o funcionário te olha como um parasita e pergunta como gastas os dias, respondes que os dias se gastam sozinhos. O funcionário abre a boca e cruza os braços, quando começou a trabalhar naquela repartição era ágil e parecia eficiente depois ganhou manhas, caminhava como a lesma e cruzava os braços, tinha aquele olhar e aquela frase como palha na boca do boi.- Temos de ter paciência, talvez para o ano a certidão esteja pronta, aviso que vão gastar mais de seiscentos mil Reis, é claro que aceito umas postas de bacalhau e uma garrafa de azeite, posso dar um jeito. Quando o rapaz terminar o exame de admissão, se ele quiser há aqui lugar, melhor que essa incerteza de viver ao sabor do destino, se ele for dedicado se tiver o sentido do dever e da obediência....O rapaz começou a virar do avesso, um certo inspector andava de olho nele e logo tinha dois lugares ou a prisão ou ir para África dar o corpo ao manifesto, não ia ao serviço da pátria, ia ao serviço de outros interesses, estava lá porque andava a fazer ondas, a espalhar ideias perigosas. Durante o tempo em África a família recebe algumas cartas, sabe que a criada deu á luz uma menina, a família dele tomam conta dela e da criança, um dever cristão segundo a mãe que anda nas mercearias a vender intrigas, pobre da moça, o meu filho é um herói, um verdadeiro homem, ela não está ao nível dele. Estamos permanentemente marcados pelo símbolo da virilidade, as instituições que lhe fazem propaganda ou que o tentam mostrar no que parece edificado são órgãos de impotência ou são de uma maneira subtil um apelo ao jogo debaixo da mesa. Comportamo-nos nas relações sociais com a vontade de fazer e de tocar mas temos medo. A instituição e a autoridade que é familiar, religiosa, militar e para militar consente a aproximação, todas as regras sofrem incumprimento e a homossexualidade está na lente do microscópio. O problema não é a homossexualidade, o problema é o uso desta, aquilo que debaixo dos cobertores é legítimo e debaixo dos cobertores faz calor, a instituição destapa mas não destapa completamente, não quer comprometer a sua fragilidade. Agora homens e mulheres habitam o mesmo espaço militar, Maria a criada gosta de sentir o poder de alguém exercido sobre ela, não é um poder imposto sem contestação é um poder absorvido, uma lógica que vem da ideia de que sempre foi assim, ela pode reivindicar no que diz respeito ao trabalho, lutar contra a exploração mas ela e ele não podem sair deste limite, do carimbo no meio da testa, da nódoa que fica. As mulheres exercem poder mas não são poderosas. Os homens são poderosos, tem o poder das ditaduras e o poder das revoluções. As mulheres sofreram verdadeiramente, os estilhaços caíram a seus pés. As mulheres podem decidir, podem jogar mas o poder de ver o jogo, de controlar é dos homens. Homem e mulher não podem sair deste limite, desta estrutura já enraizada. As mulheres transportam uma carga de frustração, durante muito tempo carregaram o fardo da prepotência masculina, ficaram sujeitas á vontade dos fracos, dos submissos ao capricho dos chefes, dos patrões, dos generais. As mulheres querem ocupar a cadeira vazia, as mulheres desejam a emancipação, mas na verdade elas nunca serão emancipadas, ninguém está verdadeiramente emancipado, ninguém é verdadeiramente livre a menos que tenha conquistado uma consciência de liberdade.Gabriela a feminista olhou-me e num tom de provocação disse que eu era general do estado-maior dos homofóbicos. Gabriela tem bichos na pele, costuma ir à Turquia tratar-se com peixes que comem as feridas. Não curam a verdadeira doença dela, o desejo de possuir um pénis, um pénis autoritário como um dedo apontado. Gabriela è um macho, o engano colocou-lhe uma vagina no meio das pernas. A sede è uma estrela, um ponto na garganta, no meio da praça ainda estão os blindados, as palavras flutuam no sorriso das bocas, ainda não estão contaminadas, tudo parece ainda muito novo, não sabemos como será o futuro mas acreditamos na verdadeira transformação, acreditamos que a autoridade será eliminada de todas as palavras. Lobo 010

segunda-feira, 19 de julho de 2010

LINHA DO HORIZONTE

O tempo poisa sobre o mar, deixando do seu contacto as ondas. Ele revela o seu estado de espírito, como as palavras quando escrevo isto. A minha poesia é prosa, onde a Rosa põe as suas raízes com uma ironia de quem sorri, sem chegar a rir. Fica-se por descobrir a graça com que uma garça branca voa, o balanço da sua corrida para se erguer no ar. A linha nítida tida nesta escrita, neste olhar, é a linha do horizonte.

Lendo Osho como o acho, servido pelas imagens do mar embaladas com serena música. Liberto uma ironia tão subtil como um perfume quase... impalpável. Leio: «A mente é actividade absoluta. A mente corre, o ser senta-se. A periferia move-se, o centro não se move (OSHO)». Tenho um termo, uma palavra capaz de aproximar o horizonte: haraquiri. Uso-a a rir, deixo a ligação a haraquíri.

Quando o mesmo é o mesmo, mesmo diferente, entrámos: aos poucos... começamos a dominar a linguagem da gente. Ir às essências é procurar e descobrir o prazer e arte das especiarias, este tempero que é o alimento da flor que alimenta e cria raízes no coração.

amizade
ultrapassa tudo
todas as fronteiras
dela podemos dizer
ter raízes no coração
sem conhecer barreiras
para a verdade
!

domingo, 18 de julho de 2010

Página branca

É tarde
E o sol ganha guarida
No cume dos montes,
O tempo é pragmático
Segue o seu curso
Nas pegadas do vento

A brisa sopra suspiros da vida
A essência intensifica-se
E os olhos gastam as flores
Vindas da paisagem…

Os silêncios dançam amnésias
Que a memória soletra de cor…

…Pedaços de incertezas
São os traços futuros
Que o coração ainda não guarda…

É o incerto …
Que sentimos
Em cada página branca!

Ana Coelho