quinta-feira, 30 de julho de 2009

Destino

Em menino fiz meninices,
Diabruras
E a navegar marés-cheias
Fui escutando o desalinho da dor
- calado e quedo
no postigo da idade,
até ao dia em que parti
com o meu tempo selvagem
e as fantasias por domar.
… partir à procura de alguma coisa
que aqui não sei encontrar.

Por quem me tomas
Ó destino, cruel sátira
Se o teu destino, destino
Tenho-o eu na minha mão
Pátria!
José António Antunes


Passo a passo
Vou passeando a minha sombra
Pelas ruas desertas
Da cidade cansada...

Arrasto comigo
Os destroços de mais um dia
Que me suam o corpo
Empapando-me as roupas

Doem-me os olhos
Castigados pela força vã
De não quererem...

Do tanto que dei
Não sobrou nada
Nem um pingo...
Nada de nada!

A injustiça é um ácido forte
Corrói-me a alma!

Quis gritar
Mas não me deixaram...

Agora
Pesam-me as palavras
Que não me saíram da garganta

Sufocam-me...!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Muro de silêncio

Rompe-se o muro do silêncio
arrancou-o assim o destino
a hipocrisia foi afastada,
envergonhada pela decência
as sombras tiradas desde a raiz.

O futuro instalou a distância no presente.

Os destroços enterrados
o passado os incendiou
na culpa que os nutriu.

A dúvida procura certezas
no escuro que se refugiou
demanda consciência sem nexo
infiltração impossível.

A certeza é lucidez
que a verdade tem guardada
nas mãos lavadas
sem mácula
nem reservas
a recordação não tem memória
só constrói o dia de amanhã
com os olhos abertos no firmamento.

Ana Coelho

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Horizonte indefinido

…No horizonte indefinido
Calados no tempo
Agitados numa suave brisa

Aprender em dualidade
Num universo cósmico
Transcendente e veloz

Na ausência de temores
Percursos encontrados
Entre versos e letras

A mão na mão
Os olhares sedentos
De palavras
Na patilha de sorrisos

O sonho tatuado
No coração
Onde o espírito
Penetra na força do teu olhar…

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Se Fôssemos Um só

(Foto de minha autoria num céu perfumado)
*************
Vê-me nos equinócios
Do tempo
Onde me detenho
Nos arremessos do vento

Sigo-te os passos
Lento e circunstancial
No modo e na divisão
Dos medos
Em torno do espaço

Ensina-me…
A olhar-te de frente
Como quem carece
De um mundo
Que se encosta ao futuro

E gasta-te nos dias
E nas horas
Que te emprestam sorrisos
Presos ao passado

Se fossemos um só
Como este grão de areia
Sempre que rola
Sobre as minhas mãos

Seríamos o mundo
À espera do tempo….

domingo, 12 de julho de 2009

Anda comigo

Anda comigo minha amiga,
saltar juntos deste cume da vida
que os poetas têm asas escondidas
nos fundos da alma
e são feitos de sonhos efémeros
e silêncios roucos, quase loucos
que nunca morrem…
Vem comigo meu amor
ver o coração da lua palpitar
os sonos intactos das estrelas vivas
caídos nos lábios do chão
com o brilho dos céus nos olhos
perdidos na palma da tua mão
onde entrego o meu destino.
Anda daí, afagar os sentidos
e inventar o momento
hirto de ternuras quentes
e lágrimas caídas do nada
carnívoras fingindo doçura,
colhidas de magia,
no lume dos dias,
calcetados de gritos e poesias
nessas asas secretas
que o poeta esconde debaixo
das palavras que não diz…

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Carta a um irmão distante

Irmão

... a mãe morreu
no bolor do silêncio
que trazia nos olhos.
Arrancada à vida
devolvi-a à terra
com lágrimas por dentro.
Nas traseiras do quintal
calcetei-lhe o sono
com flores de luz que duram muito
e sabem poemas de cor...
Rezei o terço à minha maneira
com palavras inventadas do luto
que me mordiscava a voz.

Fiquei ao lado dela
até a sentir aninhar-se
nas formas do chão.
Falei-lhe de ti, desse tempo
inconstante
- o pior da morte é a morte não ter voz
e teimar em ficar calada por muito tempo!

A mãe morreu natural.
Já nada me prende aqui.
A herança é pobre demais,
fica com ela que eu parto agora
à procura de melhor sorte.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Momento feliz

Dei-te rosas que colhi
no coração do meu sossego
quando feliz me vi por dentro
e deixei cair das flores
o que me vai no pensamento.

Dei-te núvens sem grilhetas
que trazia no olhar
num dia de muitas quimeras,
pelos passos do momento.

Depois tirei da boca um desejo
e da face deixei fugir
um deslumbramento
com feições de alegria
e o cheiro de uma carícia
que só quem ama vê.

Dei-te a emoção e o mimo
de um instante feliz
de um olhar que não sabe mentir
o amor vassalo e doce,
trespassado pela paixão,
verve inquilino do meu corpo,
lume vivo no tempo.

INATINGÍVEL...


Espesso seria meu sonho...

Se pudesse moldar o nevoeiro...

Se me elevasse na imaginação...

E tocasse a nuvem em que dormes...

Se o Mar efervescesse...

Salgado seria meu fogo...

Se na noite tua palma descesse...

E se moldasse em noz na minha mão...

Se congelasse meus pesadelos húmidos, disformes...

No enlevo das trevas, no pulsar deste chão...


Incoerente na maldade...

Meu corpo em liberdade...

Evadindo-se do alcance da saudade...

Incoerente como o vento norte...

Que invade os meus sentidos...

Jaz em meus ouvidos...

E sempre inibe o meu toque...

Como me cantas enquanto ensurdeço...

Como me beijas em tua noite diurna...

Como te correspondo se não tenho lábios...

Como sinto que não o mereço...


No entanto não existes...

Mas escrevo-te...

Num momento futuro me sinto parado...

Inconcebível voltar ao passado...

Inatingível meu ser que lá mora...

Impensável tocar a mente que chora...

Ouvir um coração respirar...

Como seta lançada a um alvo perfeito...

Impossível aprisioná-la neste corpo sujo,

Apertado em teu peito...


Queria ser tua ignorância...

Teu brilho abismado em cristais que me fitam...

Com meu sorriso fugaz mudar tua infância…

Como desavindo e incerto me sinto…

Seduzo sem noção de quem sou...

Seduzido por trás de teu véu...

Prisioneiro de um Deus que de mim sorri...

Que me troça… sou farsa de si…

Que me criou sem saber...

encerrado num corpo amargo…

Uma sombra negra que te segue…

Talvez colorida e bela para ti...

Para mim… um obscuro e tracejado mausoléu...

DARK RAINBOW

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O que não tenho

O que a vida não me dá
eu não peço a ninguém,
vou procurando sozinho
talvez o que ninguém tem...
eu sou filho parido lá
onde a sorte é de alguém
que acredita que sofrer
custa muito e sabe bem
porque depois de morrer
só sofre o fora-da-lei
que nunca pagou o que seu tem
tirado ao sono com as dores de outrem...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Vitupério sacramental

Não entendo a saudade
neste cavalo chamado tempo.

Deito-me
sob mármore cru,
petrificando o meu corpo
numa nudez quase imunda.

Sou carne de homem
de mulher,
vitupério sacramental.

Sinto frio
daquele amor
disperso nas folhas secas
da minha crença.

Não entendo a saudade
da saudade que já não sinto

Quero ser assim
tal como sou,
a indiferença dos diferenciados.

Vem deleitar-te comigo

Sente com os teus dedos invisuais
A fúria com que me dissolvo em cera
Sobre a mesa enfeitada de cristais
Que me acaricias de sedas púrpuras

- Vem deleitar-te comigo

Sente os contornos do meu corpo
Vestido numa silenciosa ARPA
Com vontade de gemer pautas
Vertiginosas de deleite indefinido

Toca-me

Sente o misticismo deste som
Que penetra as profundezas
Mais nocivas até às mais impiedosas
As labaredas consomem-nos
Em chamas sôfregas de anseios
Sente cada corda que te quer

Toca-me
Faz de mim a mais bela melodia
Em gemidos celestiais
Neste inferno só nosso…

Viola da braccio

Quero rosas
despidas de espinhos
…nuas...

Sente-me,
ama-me,
desnuda-me,
em melopeias de
um violino lascivo.

Vem,
lura esta pele impetuosa
com teu o arco dócil,
acrava o meu desejo lúbrico.

Afaga-me no teu cavalete
… faz amor comigo…
com gemidos transversais
do teu violino angélico.

Incessantemente



Desfolha as pétalas do meu corpo
sorve o néctar desta mescla,
da lonjura que nos separa
nos espinhos carentes de saudade
...calo o frio...

(como amantes ébrios)

Perdemo-nos em cartas
como dois adolescentes famintos,
em busca da puberdade
ávidos de um afago
...calo o ardor...

(corro descalça no imaginário dos teus braços)

Não demores meu amado...
Lembras-te do nosso primeiro encontro?
É lá que te espero incessantemente
como da primeira vez...


































Como escrever-te

Como escrever o teu nome
na água dos meus poemas
sem levar à boca
algum ramo do teu sabor.
Como escrever de ti
no pó dos corações
se pelos teus olhos
andam os meus enamorados.

A noite,
ainda menina no meu colo
é um fio de versos
que as horas levam e trazem
sem que o breu me detenha,
nem o silêncio incomode
os momentos sós em que te penso
sentado num chão de muitas emoções.
Não há rio que quebre o mar
nem ondas que neguem às praias
as suas marés de pedra e ecos.

E na poeira dos dias que me sobram
tenho pressa em viver os mimos teus
e sentir sobre o corpo deitado
a mulher que em ti pesa,
como um vendaval de amores
que se soltam dóceis
num sangue a nós doado manso
e vontades de não mais acordar.

Rosa negra


(imagem tirada do google)


Vestiu-se de negro a rosa
No velório da paixão
Longura de miragem
Que não pode alcançar.

As encostas desertas…áridas
De negrume esculpidas
Sem perfume pétalas enrugadas
Lágrimas derramadas
Nos espinhos viçosos do caule.

No dorso aguilhão cravado
Sedução sem pudor
Dança a marcha fúnebre
À muito sem melodia ficou

Um canteiro sem terra ou água
Em dor e desamor
Desilusão sem morada
Na ilusão só por si procurada.

De véu caído no abismo
No altar da iniquidade
Assim findou
No nu da alma
De negro pintada…

Ana Coelho

segunda-feira, 6 de julho de 2009


Eu
Pecadora
Me confesso

Sim
É verdade
Quebrei todos os votos
Que te fiz por amor
Num impulso de fraqueza
Que me inquietou a alma...

As promessas
A dedicação plena
De só a ti pertencer

Desculpa-me Senhor
Mas não consegui

A tentação foi maior
E rendi-me ao desejo
Pois queria tanto conhecer
O paladar do pecado
Queria tanto saber
Se era doce ou amargo
Ousei
Provei
E... gostei!

Juro-te que falo a verdade
Nem sequer
Te rogo o meu perdão

Pois se pequei
Se vendi a alma ao Diabo
Num acesso de loucura
E paixão
Castiga-me por favor
Eu sei... bem o mereço!

Senhor...

Nada mais poderei fazer
Pois tudo o que eu fiz
Foi de total e livre vontade
Insana entrega
No leito da luxúria
E no deleite
Dos prazeres da carne

E sabes Senhor
Vou-te confessar um segredo
Não conheço melhor sabor
Do que o sabor do pecado
Pisar o risco
E ousar
Desafiar os limites
Do certo e do errado

Por isso
E se ainda me quiseres
Senhor
Terás de me partilhar
Com o demónio que me possuiu

Carregando com o peso do meu segredo!

E este desejo...
Que ainda me escalda a pele
Por debaixo deste hábito
Que encolheu
E já não me chega
Para me livrar da queda
Na alcova da tentação

Aqui estou
Senhor
À mercê do teu castigo
Pela minha redenção...


Chamo-me raiva
E estou grávida
De um grito agudo
Que carrego
Dentro de mim

Foi gerado à força
Numa cópula maldita
Num beco escuro
Entre o fio de uma navalha
E uma parede fria

Hei-de pari-lo
Numa noite destas
Quando voltarem os lobos
E uivarem em coro
A uma lua incandescente

Nesse preciso momento
Algo rasgará o silencio
E ouvir-se-à
Um eco estridente
De um grito medonho
Que galgará
Os muros do crepúsculo
Até ao cabo do infinito...

Devastará cidades
E províncias
Ensurdecerá os vivos
Paralisando-lhes o resto dos sentidos
E ressuscitará os mortos
Que se erguerão dos seus túmulos

Nesse dia
Cumprir-se-à a profecia
De todos os demónios
Que na terra habitam
Há milénios
Disfarçados de homens comuns...

E alguém anunciará a boa-nova
Que ditará os destinos
De um mundo decrépito
Corrompido e moribundo
Mesmo à beirinha do colapso

Nesse dia
Ouvir-se-à
De uma voz cavernosa
Uma só frase

Uma frase curta
E seca...
Nasceu a besta!


Cravaram-me uma estaca
Na alma!...

Apoderaram-se do meu tesouro
E deixaram-me prostrada
Num chão
Nojento e pegajoso
Pejado de mentiras esventradas
E de odor pestilento

E são às dezenas os sorrisos...
Cínicos!
Que na pressa da retirada
Lhes caíram do rosto
E se espalharam no meio da podridão

Pobres criaturas sem palavra
Que de tão miseráveis que são
Atraiçoam quem lhes deu o pão
Nos dias mais negros
Da fome apertada

E salvaram quem nada lhes deu
A não ser a ilusão
Daquilo que não passa
De um redondo nada...

Mataram
E fugiram todos
Montados na mula da cobardia

Salvou-se um estranho silêncio
Que paira num ar irrespirável

Morri sozinha
Sem glória alguma
Com a dor da desilusão

Não mais voltarei
A pisar o chão que me viu morrer!..

quinta-feira, 2 de julho de 2009

TRAÇOS SEM LUZ…


Sentado no escuro…
Em ruidosas folhas que vertes…
Caído para lá dum velho muro…
Abro os olhos inseguro…
Vejo teus traços inertes..
Sigo teu rosto celeste..
Tua lágrima em meu rosto.. cansada…
Tua fé enlevada…

Porquê formatar o relevo…
Que nasce em segredo…
Se cada vez que tropeço…
Desnudo, um toque te peço…
Frio, quente, a esmorecer…
Mas… um sinal de meu viver…

Um todo paralelo, em que a realidade é alheia...
Em que procuro a sabedoria da inocência...
Em que procuro reflexos negros de ausências...
Um grito do Olimpo, uma homérica sereia...
A escuridão na clarividência...
Várias explicações inexistentes...
Para a minha inexistência…

Existo em átomos perdidos no Universo…
Existo em tua morte…
Existo no reflexo dum gesto…
Numa gota que se esvai…
Num esgoto serpenteado…
Que a luz nunca viu…
Círculo de água tapado…
Nem sei se existiu…



DARKRAINBOW