quinta-feira, 5 de abril de 2012

Para me lembrar de quem um dia fui


Abro o livro do tempo perdido
na página branca que resta
da erosão mórbida dos crepúsculos
e volto aos parágrafos antigos
onde a luz cintilou um dia
procurando as sílabas esquecidas
que a memória tenta refazer
num assombro de primaveras coaguladas.

Debruço o corpo tolhido
sobre a espiral nervosa dos relógios
seguindo os ponteiros lentos do destino
e o sortilégio anónimo dos ventos
na única janela onde encaixa
a agonia do meu rosto desfigurado
e no vazio das manhãs adiadas
convertidas agora nas mortalhas do breu
que vela o silêncio dos pátios corrompidos.

Nos folhos sombrios da névoa
procuro ainda a cor amordaçada
de fugazes e transparentes sorrisos
consumidos nos retratos da infância
e o eco da recordação fumegante
de um tumulto de estrelas incandescentes
para me aquecer no clarão desse incêndio
e me lembrar de quem um dia fui.
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1 comentário:

Maria Gomes disse...

E que bom é ler este livro, sempre com grandes inspirações, gostei amigo, beijinhos