terça-feira, 22 de novembro de 2011

Este país não é para mulheres de bigode


Com senso ou sem senso vai-se constatando que as estatísticas já não são causas comuns hipotéticas mas absurdas medianas aos trambolhões. A moda está em desuso e dizer-se, “mulher de bigode, ninguém a phode” é desviar o padrão das infortunas variáveis a casos extremos. Não fugindo da variante (N), a do bigode que não está em vogue mas ninguém a phode, na aldeia da Picha, Toninha bigodes recebe uma visita inesperada. As estatísticas bateram-lhe à porta.

- Ò mãe tá aqui uma mulher pra ti!

- Quem é Xico? Despacha a mulher que eu estou a fazer o jantar.

- Não posso mãe a gaja diz que é daquela cena das estatísticas A mãe preocupadíssima vem a correr e interpela o filho:

- Já podias ter dito, é sempre a mesma coisa, só me deixas ficar mal, não sei a quem saíste com esse palavreado, manda a senhora entrar.

- A minha mãe disse pra entrar.

Amélia dos Capuchos, colaboradora da Biblioteca Municipal de Pedrógão Grande, estava varada com a recepção mas tinha que acatar com as suas obrigações uma vez que se comprometeu com a junta de freguesia.

- Boa noite, eu sou a Amélia venho da junta e precisava que me respondesse a um inquérito para o INE ou então eu deixo ficar os impressos a senhora preenche e passo cá amanhã. Toninha quando ouviu falar na junta mudou de imediato de postura:

- Nada disso senhora doutora faça o favor de se sentar, quer tomar alguma coisa, um cafezinho, um licor?

- Sou uma simples funcionária da biblioteca, não sou doutora, dona…

- Toninha, Toninha bigodes, pode tratar-me assim e sinta-se em casa senhora doutora, ora deixe-se de modéstias, os méritos devem ser conhecidos.

Amélia já não tinha controlo sobre Toninha e de nada servia contrapor, só queria era apreçar os impressos e dar de frosques.

- Obrigada dona Toninha pela atenção, é um simples inquérito sobre a qualidade de vida dos habitantes da Picha.

- Claro, senhora doutora, pergunte o que quiser.

- Quantas pessoas vivem nesta casa?

- Ora bem, eu, o meu esposo mais conhecido pelo Picha pequena, a minha Milinha da racha e o meu filho Xico esperto e o meu cão torrão, se não me enganei nas contas, somos cinco.

- Costumam ler livros ou jornais? Pergunta Amélia sem tirar os olhos do bigode da Toninha.

- Eu leio muito pouco mas gosto de ler, só que já me falta a vista, leio a Maria e o jornal, a página onde colocam os falecidos para ver se vem alguém cá da terra a Maria ajuda-me a compreender como anda o mundo. Isto está muito mal senhora doutora veja lá que nesta ultima edição vinha lá um rapazinho a perguntar o que devia fazer, tinha nascido com três tomatinhos e não sabia o que havia de fazer à vida dele, o pobrezinho tinha lá aquela coisa dos complexos, e o raio da Dr.ª que responde àquelas desgraças, respondeu-lhe que ele devia sentir-se feliz por ser um homem avantajado e mais…só desgraças, outro a namorada ficava chateada quando o rapaz praticava o coito interrompido mas nessa já nem li a resposta ora se ela ficava chateada por o fulano ter a picha interrompida ai até eu ficava ao menos o outro tinha três tomates já dava prà fazer uma rica salada.

Toninha bigodes desata a rir e manda uma grande bufarda à Amélia, esta sorriu entre dentes e respondeu:

- Pois, pois…e o seu marido, os seus filhos gostam de ler?

-Gostam sim senhora, o meu Xico é um rapaz muito esperto, acabou este ano o curso das novas oportunidades já vai fazer dezanove anos para o ano, coitadinho teve que deixar a escola porque era hiperactivo é uma doença muito complicada, só lhe dá para dormir de dia e depois à noite vai até ao centro com os amigos da Venda da Gaita, veja a senhora doutora ele parece que só fala inglês desde que acabou o curso, eu vou chamá-lo para ele lhe responder. – Xico! Ó Xico anda cá a senhora doutora quer falar contigo.

Amélia corava como um presunto e a voz ia enfraquecendo:

- Não vale apena incomodar o gaiato, ele deve ter muitos afazeres.

- Nada disso, senhora doutora e voltava a berrar: - ò Xico!

- Poça mãe, não sou mouco, que queres? Dizia o gaiato com cara de mau.

- Vá lá Xiquinho a senhora doutora quer saber se gostas de ler, senta-te aí.

- Ya, doutora tá-se bem, eu gosto de ler tipo a Bola, os filmes dobrados em português, as revistas do meu pai, tem lá cada monumento, quer que lhe mostre?

Apressadamente Amélia sem demora responde:

- Não Chico, acredito que sim…

Toninha toda contente olha para o filho e diz:

- Eu sabia que ias seguir a profissão do teu pai, és o meu orgulho. Puxa-lhe pelas bochechas com um sorriso enorme.

- Ó mãe bebeste? Deixa-te dessas cenas. Levantou-se e voltou para o quarto.

A mãe com o bigode mais aguçado virou-se para a Amélia:

- Eu não lhe disse que o meu Xico era um menino muito esperto? Por este caminho vai seguir o dom do pai. Sabe o meu esposo é mestre-de-obras, ele é unha com carne com o senhor presidente da junta as empreitadas cá da aldeia são todas feitas pelo meu esposo e por metade do preço mas ele é muito correcto a factura vai sempre com o dobro do valor conforme o senhor presidente lhe pede, a verdade se diga também não pagamos aquela coisa do imposto, sabe como é uma mão lava a outra. Quem tem amigos não morre na cadeia. Bem agora já sabe que o meu marido lê livros sobre obras e monumentos. Agora a minha filha já é mais sobre dança.

Amélia interrompe:

- Dança? Mas ela é bailarina tirou algum curso, formou-se?

- Não senhora doutora, ela abandonou os estudos aos 14 anos, quando acabou a quarta classe, foi um desgosto, ela tinha tanto jeito nas línguas, sempre que chegava a casa (parece que a estou a ver) corria para mim toda feliz e dizia, “- mãezinha hoje o Serôdio da venda deu-me um linguado”, no início cheguei a fazer figura de idiota pensei que era peixe depois ela explicou-me que era uma língua nova. A minha Milinha da racha tem vinte e dois anos, já trabalha como bailarina desde dos dezassete e lá vai ganhando o bocadito dela.

Amélia não hesitou, ironicamente abreviou-se:

- É bailarina numa discoteca e trabalha à comissão ou a recibos verdes?

Toninha bigodes desatou novamente às gargalhadas:

- A senhora doutora agora teve graça, é à comissão, as pessoas que lá vão ficam verdes mas é de inveja, porque a minha filha não é para o bico de qualquer um da forma como ela dança ainda vai parar ao Teatro do Las Férias.

Amélia levantou-se, pedindo licença:

- Dona Toninha bigodes bem tenho de ir, o dever chama-me, ainda me faltam mais dois inquéritos mas…

Toninha interrompeu:

- Já vai senhora doutora mas e o resto das perguntas?

- Não se incomode dona Toninha bigodes conseguiu responder a todas elegantemente e digo-lhe mais, como diz o ditado “uma mulher de bigode ninguém a come…”, ahahahahahah, até qualquer dia e dê cumprimentos à família.

- Obrigada senhora doutora, você também tem a sua graça, mas olhe que o ditado não é assim, ahahahah, dê lá cumprimentos ao senhor presidente e disponha sempre que quiser, tenha uma boa noite.

- Ai Jesus, lá se foi caralho do pernil assado que comprei na venda do Picha frita…

Viva as estatísticas, os vigaristas, viva a educação!


Conceição Bernardino

http://www.luso-poemas.net/modules/newbb/viewtopic.php?topic_id=3126&forum=86


2 comentários:

bixudipé disse...

Nossa! Me diverti muito com Toninha Bigode!

Adorei, demais, o conto!

Abração,

Rodrigo Davel

Irene Alves disse...

Puxa, fartei-me de rir...
Venha mais.
Bj./Irene